Sala de Aula

Tinha ido apresentar a candidatura para a faculdade mas estava tanta gente e tudo tão atrasado que me mandaram para uma sala de aula que estava cheia de pessoas com matriculas na mão. Sentei-me numa mesa enquanto esperava que me chamassem.

Há séculos que não me tinha colocado no meio de tanta gente. Por um lado tinha saudades, mas por o outro dava-me intensas dores de cabeça. A maioria deles ia ficar desempregados depois de qualquer curso que tirassem, e eu nem o ia acabar. Estava só a ocupar uma vaga a alguém, o que, de certa forma, era algo mau. Uma das quase-vantagens em ter cancro é que não tinha de ir à escola. Mas, visto toda a gente pensar que eu não tinha, e eu querer ser, afinal de contas, uma miúda normal, não tinha outra alternativa. Fartei-me de esperar na fila e procurei alguma sala vazia, batendo à porta em várias e abrindo a porta devagar. Quando encontrei alguma que não tivesse fechada, entrei. Parece que não tinha sido a única a ter aquela ideia. Estava um rapaz - não sei o nome dele, sei que ele tinha andado na mesma secundária que ele - sentado numa cadeira à janela. Era giro, mas não definitivamente para mim. Pelas histórias que ouvia, era um típico cabrão que nem valia a pena eu meter-me. Um gajo armado em rebelde. Olhei para ele e sentei-me na outra ponta da sala.

Ouvi a porta a abrir e pensei que fosse alguem da secretaria. Bufei quando me apercebi de que nao era. Nem reparei quem era. O meu telefone tocou e era a minha irmã mais nova a perguntar quando voltava para casa. Disse-lhe que voltava cedo e que ainda ia brincar com ela. Desliguei o telemovel, revirando os olhos. Era o que dava ter de ser pai dela. Olhei e vi uma rapariga, era bonita mas tinha um ar triste. Conheci a cara dela de algum lado.
-Hey.. eu conheço a tua cara. Amelia, certo?

Era o que me faltava. Um convencido a tentar fazer amizade. Ainda por cima sabia o meu nome. Stalker, só um bocadinho. - Exato. - confirmei, continuando séria - Como sabes? - acabei por perguntar, passado mais uns segundos a olhar para ele.

Ergui o sobrolho ao ver a reacção dela. Olha-me esta já a armar-se.
- Lembro-me da tua cara da escola, só isso. - Repliquei secamente.Odiava raparigas manientas que achavam que sabiam tudo.

Bufei. Onde tinha ido a simpatia agora que lhe tinha quase dado uma tampa? - Sim. Deixa-me adivinhar o teu. John? Peter? - tentei. Os nomes desta malta, ironicamente, eram sempre os mesmos. Nada de originalidade no nome, assim como nada de originalidade na personalidade.

Ri-me. Ela achava mesmo que me conhecia.
-Luke. - Disse simplesmente, olhando-a. Não gostava mesmo nada de maniazinhas. E ela nem me parecia assim, parece que as aparencias iludem mesmo.

Queria acabar ali a conversa mas não fui capaz. Tinha de saber mais uma coisa. - Apenas diz-me que não estás em comunicação social. - pedi, mais baixinho, talvez por me sentir um bocado mal com o ódio que já lhe estava a dar sem o conhecer.

Olhei-a atentamente, enquanto falava mais baixo.
-Não, não estou em comunicação social. Não te preocupes. - Encolhi os ombros e voltei a ir sentar-me na mesa mais a frente, esperando que me chamassem.

Com a resposta dele, acabei por me sentir mal. Tinha feito aquilo que sempre me pedi que não fizessem, julgar só por rumores. Sim, porque não pensem que uma miúda com cancro se safa disto. Para meio mundo somos malta triste, uns coitados que nunca hão de ter vida e como sabem enlouqueceram. Abri a boca para pedir desculpa, mas quando a voz não me sentiu, talvez pelo orgulho, voltei a fechá-la e a encostar-me à parede, olhando para o chão.

Suspirei, bufando. Estava a demorar imenso tempo. Sentei-me e vi se tinha algum erro na matricula. Só esperava ter vaga logo. Entretanto chamaram-me. Parei na porta e olhei-a.
-Só para que conste, estou em Gestão e não me estava a meter contigo. - Revirei os olhos e fui ate a secretaria.

Acenei com a cabeça mas ele já não deve ter visto. Fiquei a olhar para o vazio até me chamarem a mim. Consegui inscrever-me naquilo que queria, mesmo que por uns meses. Estava feito, agora só faltava começar a sério.

A primeira semana tinha sido só de praxes, tinha sido divertido mas nada de especial. Ia ter agora Direito com outro curso. Nao sabia qual era. Fui andando para lá e estava tudo a entrar ainda. Entrei e sentei-me lá atras, observando quem entrava e quem ja la estava sentado.

A primeira semana tinha sido horrível. As praxes tinham sido péssimas, e a dificuldade de as cumprir tinha sido imensa. Mas a primeira semana passou, assim como as primeiras aulas. Menos direito. Ia ter a primeira agora. Tinham-me dito que a cadeira era em conjunto com outro curso, mas não fazia ideia qual. Entrei na sala e coloquei-me na penúltima fila, sem olhar para ninguém além do professor. Quando este começou a falar, percebi que devia tirar alguns apontamentos. Procurei na mala uma caneta, mas não havia sinal. Olhei para a mesa de trás e ia pedir uma emprestada, quando percebi quem era o rapaz que lá estava sentado.

Estava totalmente distraido. Tinha este homem como professor de finanças e ele era um tédio autentico. Vi alguem a virar-se para trás e fiquei surpreendido ao ver quem era.
-Hum, olá. Precisas de alguma coisa?

Virei-me rapidamente para a frente e fechei os olhos. Senti-me a corar, quando percebi a figura triste que tinha feito. O professor continuou a falar e não tive outra alternativa se não voltar a virar-me - Desculpa, tens uma caneta que me emprestes por favor? - pedi, esperando que ainda não se notasse a minha cara com pele de tomate por raras vezes na vida.

Fiquei completamente desnorteado quando ela se voltou a virar para frente. E de seguida, voltou-se para trás. Esta rapariga não batia bem da cabeça.  Tirei do estojo uma caneta e dei-lha, sem dizer nada. Nem sabia o que dizer, ela ainda dizia alguma coisa ou se revoltava.

Sorri ao receber a caneta, estava demasiado envergonhada para agradecer como gente normal. Boa, agora ele pensava que eu era chanfrada. E no final de contas, ainda era um bocadinho. Fiquei o resto da aula a ouvir o professor e a morder ligeiramente a parte de trás da caneta. Quando nos mandou sair, é que percebi que a tinha de devolver. Fazia aquilo desde criança, era uma espécie de tique nervoso, e tinha passado aquela hora mais nervosa que o normal. Limpei a caneta à minha blusa e esperei que não se notasse muito. Já de pé, olhei novamente para ele e estendi a caneta - Obrigada - consegui finalmente dizer.

Arrumei tudo e estava a responder a uma mensagem quando a vi a esticar-me a caneta e a agradecer. Notei que ela tinha roído a caneta.
Ri-me.
-Podes ficar com ela, personalizaste-a. - Sorri e olhei-a, envergonhada. - Não tem mal.

Senti-me um bocado estúpida e fiz uma careta. - Obrigada - atirei-a, com as mãos a tremer um bocadinho, para dentro da mala. Não sei se era porque não comia há demasiado tempo ou se era por estar nervosa. - Então... eu vou andando... - disse e tentei sair da sala, mas correu mal ao embater numa cadeira.

Ri-me ao ve-la atrapalhada.Fui ter com ela e ajudei-a, ajeitando a cadeira.
-Estás um pouco corada. -Brinquei, tentando que ela nao ficasse tao atrapalhada.

Acenei com a cabeça - É do calor - desculpei-me e olhei para dentro da mala, procurando os comprimidos para o stress. Era das piores coisas. Tirei um e engoli-o com a garrafa de água que tinha sempre à mão. - Muito melhor. - murmurei para mim mesma. - Bem, agora devia mesmo ir. - disse, já mais calma. Sim, era estúpido como fazia efeito tão rápido. Para ser honesta, acho que já nem fazia. Era mais psicológico que outra coisa. Uma vez li isso num livro, comprimidos que não têm efeito, mas fazem a pessoa sentir-se logo melhor.

Fiquei a olha-la. Ela era bonita mas tinha ali qualquer coisa de mistério, nao sabia bem o que era. E era bastante bipolar.
-Saio contigo, se nao te importares. Também me vou embora. - Deixei-a descer primeiro as escadas.

Senti-me mal quando ele me deixou descer as escadas sozinha. É que também tinha dificuldade nas escadas, como óbvio. Mas consegui aguentar-me. Tentei não descer demasiado rápido, por causa da respiração, nem devagar, para ele não estranhar. Mas consegui aguentar-me, apesar das dores que cheguei lá abaixo. - Bem, eu vou por cima, tenho de ir comer qualquer coisa. - declarei quando já estava à porta - E tu?