Habitação da Amelia

Apanhei um taxi para vir para casa. Num dia normal, teria vindo a pé, mas hoje as dores estavam mais intensas. Por esse motivo, tomei mais uma dose de comprimidos do que o habitual. As consultas continuavam, e o resultado era sempre o mesmo, nada de melhorias. Ia morrer, tal como já sabia desde que tinha uns 5 anos. Agora não tinha sequer mais cinco para viver. Entrei em casa e os meus pais perguntaram-me como estava. - Progressões? - limitei-me a acenar na cabeça e a sorrir levemente. Custava-me mentir aos meus pais, ainda para mais esta mentira, mas era algo que me habituara desde cedo. Para ser sincera, não sei o que era pior, deixá-los a sofrer agora, ou só quando descobrirem. Para mim, seria só quando descobrissem, visto não conseguir assistir a nada, sejamos honestos. Subi as escadas para o meu quarto e atirei-me para a cama, deixando-me ficar uns segundos até tirar o livro que estava a ler, O amor dos tempos de cólera, da mesa de cabeceira, e recomeçar a minha leitura.

O despertador acordou-me mais cedo do que o costume: não para exames ou para ir ao médico fazer nada, mas sim porque tinha registos na escola para fazer. Que vontade que eu não tinha de voltar à escola, hum. Fiquei uns dez minutos na cama até a minha mãe me vir à escola chatear para me levantar. Mãe galinha para sempre. Não é como se não tivesse motivos para tal, não a podia julgar. Levantei-me e dirigi-me para a casa-de-banho, fiz as coisas que qualquer rapariga normal faz, tomei os comprimidos e tentei sair de casa. Fui obrigada a fazer uma paragem na cozinha para comer alguma coisa. Quando despachei meia chávena de leite e três bolachas de aveia saí e apanhei um taxi até à escola.

Deixei-a em casa, mas nao vi nenhum carro na entrada. Franzi o sobrolho. Nao sabia se era boa ideia ela ficar sozinha.
- Precisas de algo? Nao devias ficar sozinha.

Abanei a cabeça e franzi os olhos - Não vou ficar sozinha - menti. Estava com tão poucas energias que até a mentir, aquilo que tinha feito de tão bem nos últimos anos, não conseguia.

-Amelia, nao me mintas. - Olhei-a, serio. Fui abrir-lhe a porta, ela nem tinha força para isso. Ajudei-a a levantar-se, amparando-a. - Queres que fique ate alguem chegar?

Abanei a cabeça e tentei subir as escadas para me ir deitar no quarto. Acabei por cair no segundo degrau e levantei-me rapidamente antes que ele me viesse ajudar. - Vai-te embora. Já estou habituada. - pedi, antes que ele descobrisse alguma coisa ou os meus pais aparecessem.

-Amelia , para com isso. - Tive de agarra-la pois ela ia cair novamnete. - Nao te consigo deixar aqui assim sozinha.

Revirei os olhos. Eu também não conseguia deixar assim uma miúda. - Está bem, eu vou deitar-me no sofá - acabei por declarar, apontando com o queixo para a porta da sala - Estão mantas lá em cima, no segundo quarto à direita, na gaveta de baixo. Trás-me uma por favor. - pedi e afastei-me dele, agarrando-me à parede para não cair ao chão no percurso escadas - sofá.

Assenti e fui ao sito onde ela me pediu. Não encontrava nada, por isso tive de remexer. Encontrei coisas estranhas. Montes de medicamentos, de todas as variedades! Ela tinha mesmo algum problema nutritivo ou assim, estava assustado. FInalmnete encontrei as mantas e fui ter com ela,

Ajeitei-me no sofá e peguei na manta que ele me trouxera. Olhei para o relógio em cima da tv e percebi que estava na hora de tomar uma série de comprimidos. Mas como é que ia fazer isso com ele aqui? Fiquei a olhar para o relógio a pensar no que ia fazer.

Ela estava muito melhor. Muito mesmo. Sentei-me ao seu lado e olhei-a.
- Amelia, tenho uma coisa para te perguntar...

Olhei para ele de repente, num sobressalto. Tinha-me esquecido que ele ali estava. - Espera - interrompi. Precisava daqueles comprimidos ou ia ficar muito pior e ia parar outra vez ao hospital - Preciso que me tragas uma coisa outra vez lá de cima... - pedi, envergonhada.

-Sim, claro. Diz. - Assenti, vendo-a envergonhada. Esta rapariga era um misterio autentico!

Olhei para as escadas, tentando pela ultima vez pensar em ir lá a cima. Desisti. - Nas gavetas perto da gaveta onde foste buscar as mantas... - comecei e mordi o lábio, nervosa com o que ia dizer a seguir. Ele ia querer uma explicação.

Engoli em seco e senti-me culpado por ter visto.
-Sim, o que quers que traga ?Sem querer abri uma delas a procura, nao te preocupes. O que precisas?

Senti o meu coração a acelerar. Crap. Acho que até deixei de respirar durante uns segundos. - Um frasco laranja, com letras grandes azuis... - indiquei. Havia uma série de frascos laranjas e destingui-los era complicado, mas aquele não era o mais difícil.

Assenti. Nao queria deixa-la mais embaraçada. Rapidamente fui la e encontrie imensos frascos mesmo. Levei-lhe la os comprimidos e observei-a. Queria saber algo mais, mas tambem nao queria insistir.

Mal recebi o comprimido pu-lo na boca e engoli-o. Já estava mais que habituada, a água era só em casos necessários. - Obrigada - agradeci finalmente e encostei-me ao sofá, evitando olhar para ele.

-Porque é que és assim? - Refilei, vendo que ela estava muito melhor e toda recostada no sofá. - Nunca te fiz mal nenhum, miuda.

Arqueei as sobrancelhas, apercebendo-me do quão egoísta ele era - Não estou assim coisa nenhuma, há uma diferença entre chateada e envergonhada! - resmunguei, com a voz rouca e ao mesmo tempo aguda. Muitas vezes tratava-o secamente por uma parte de mim o odiar tanto sem motivo, mas agora era mesmo só embaraço. Facilmente tinha crises de doença, mas claro que o stress ainda facilitava mais isso.

Revirei os olhos. Fui ter com ela, sentando-.me ao seu lado. Resolvi nao dizer nada sobre isto, acho que nao valeria a pena.
-Precisas de mais alguma coisa? Sentes-te melhor?

Bufei. E eu é que era a bipolar - Não, não preciso de nada. Já fizeste que chegue, obrigada - apesar de não ser mais que obrigação dele, estava honestamente agradecida, e no entanto só o queria para fora dali - Podes ir ter com a loira agora. 

Levei a mao a cabeça. Havia alturas que nao sabia mesmo como lidar com ela. Ri-me.
-Mas qual é o teu problema com a Rachel? - Olhei-a, curioso. Elas podiam conehbcer-se, nao sabia.

Franzi o sobrolho - O meu problema não é ela, o meu problema é a imagem mental tua montado nela - expliquei, pegando no comando próximo de mim e ligando a tv.